quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Ou você decide, ou decidem por você

Recebi a história a seguir, como uma piada, dessas que circulam por aí. Decidi compartilhar com vocês pelo teor extremamente oportuno se atrelarmos ao momento que vivemos hoje. O texto relata a seguinte situação:

“Com a aproximação do inverno, os índios foram ao cacique perguntar:
- Chefe, o inverno este ano será rigoroso ou ameno?

O chefe, vivendo tempos modernos, não tinha aprendido com seus ancestrais os segredos da meteorologia. Mas claro, não podia
demonstrar insegurança ou dúvida. Por algum tempo olhou para o céu, estendeu as mãos para sentir os ventos e em tom sereno e firme disse:

- Teremos um inverno muito forte. Precisamos colher muita lenha!

Na semana seguinte, preocupado com o palpite arriscado, foi ao telefone e ligou para o Serviço Nacional de Meteorologia e ouviu a resposta:

- Sim, o inverno deste ano será muito rigoroso!

Sentindo-se mais seguro, dirigiu-se a seu povo novamente:

- É melhor recolhermos muita lenha. Um terrível inverno nos alcançará!

Dois dias depois, ligou novamente para o Serviço Meteorológico e ouviu a confirmação:

- Sim, senhor! O inverno será rigoroso!

Voltou ao povo e disse:

- O inverno será muito pior do que imaginávamos. Recolham todo pedaço de lenha que encontrarem, teremos que aproveitar até os gravetos.

Uma semana depois, ainda não satisfeito, ligou para o Serviço Meteorológico outra vez:

- Vocês têm certeza de que teremos um inverno tão rigoroso assim?

- Sim, responde o meteorologista de plantão. Este ano teremos um frio muito intenso.

- Como vocês têm tanta certeza assim?

- É que este ano os índios estão recolhendo mais lenha do que em qualquer outro momento já observado”.


O nosso rigoroso “inverno” chegou: o período eleitoral. Os candidatos a caciques estão a postos. Cada um em busca do seu eleitorado, com suas propostas em mãos. É momento de nós, eleitores e índios dessa tribo chamada Brasil, nos prevenirmos, recolhermos toda lenha possível, até os gravetos. Precisamos procurar nossos candidatos, ouvirmos suas sugestões, questionarmos, sugestionarmos, nos interessar.

A oferta é grande, mas é possível separar o joio do trigo se quisermos. Estou certa que todos nós desejamos uma sociedade mais justa e esperamos pelo dia em que veremos diminuir o abismo social existente em nosso país.

Votar consciente é nossa única arma. Você e eu podemos até não gostar de falar sobre isso. Mas é inegável que as decisões políticas nos envolvem e traçam o nosso destino direta ou indiretamente. É a política, que eu e você tanto criticamos, que decide o preço de todas as coisas que nos dizem respeito: a passagem do ônibus, o combustível que colocamos em nossos carros, os impostos que incidem sobre os produtos que compramos ou vendemos, o alimento que colocamos à mesa e tantos outros.

Podemos no isentar de responsabilidades hoje, para amanhã termos para quem empurrá-las. Podemos votar nulo, em branco, como quisermos. Porém, não há outra forma, esse é o tempo. Se elegermos o cacique errado agora, de nada adiantará recolhermos lenha amanhã e nem reclamarmos do rigor das estações que sobrevierem.

Até mais ver, e vê se me lê!

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Leio, logo escrevo

A cada dia uma novidade. É a desafiante tela em branco posta em minha frente suplicando para ser preenchida. A dificuldade não está em ocupá-la, uma vez que meus dedos deslizam facilmente pelo teclado inundando-a de letras em alguns minutos.

O mais desafiador é selecionar dentre o incomensurável rol de temas, algo interessante. É fazer o exercício de preencher com idéias a lacuna do inexistente e proporcionar ao leitor a mesma satisfação que sentimos ao escrever. É preciso envolvimento, feeling. Escrever um texto e desenvolver um raciocínio representa para quem escreve tal qual o interpretar para o ator. Criamos o enredo e os personagens e então os incorporamos como se aquilo nos pertencesse intrinsecamente.

Há uma sobrecarga de informações que nos bombardeiam diariamente. Há quem lembre que outrora as notícias eram mais enxutas, com temas menos abrangentes, tais como política, economia, esporte e entretenimento. Hoje, tudo é notícia. Não obstante aos temas remanescentes, se acrescentaram subtemas.

Em razão disso, a cada informação fresca lida, cada novidade recebida, cada novo apontamento observado, borbulham idéias a serem escritas. É a informação gerando informação.

E para aquele que tem paixão pela leitura, pela escrita e pelas letras, um risco é Francisco. Um pingo é “i”. Uma imagem, um cheiro, uma música, um pensamento, uma única palavra, tudo pode ser fonte idealizadora. Tudo serve de inspiração. Seja para quem escreve pro trabalho (ou trabalha escrevendo), seja quem escreve por hobby, seja quem escreve para os outros ou para si, num diário lacrado. Não importa!

E faço uso aqui de parte de um texto de Graciliano Ramos que trata da arte de escrever para, permitam-me, discordar. Ele diz: “A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”. Eu mudaria um pouco e ousaria um trocadilho: “Toda palavra pode ser ouro e deve, além de dizer, brilhar e enfeitar”.

Até mais ver, e vê se me lê.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Aprendi de mim mesma



Aprendi que dor e amor são rimas pobres,
Mas que a dor do amor é a mais nobre!

Aprendi que o chorar pode ser tão extravasante quanto o sorrir,
Mas que chorar de rir é reluzir!

Aprendi que o amor é uma paixão que amadurece,
Mas que amar de paixão é o que me fortalece!

Aprendi que brincar não é só pra criança e que ser feliz é pra qualquer pessoa,
Mas que brincar de ser feliz em minha vida não soa!

Aprendi que sentir pode ser bom ou ruim,
Mas que SE sentir é bom pra você e pra mim!

Aprendi que encontrar um homem que esteja só, é quase hipocrisia,
Mas que homem de uma mulher só é quase uma heresia!

Acho que são meus trinta... permita que eu me sinta e isso eu admita?
Pois quem pinta com tinta de quinta, não há quem desminta, que nada requinta.

Quero amar e desamar; afirmar e confirmar; engomar e desarrumar; alarmar e acalmar; rimar e proclamar;

Meus anseios, devaneios, alardeios, bloqueios, galanteios e receios.

E ver que enfim, valeu a pena, porque sempre vale.
Ainda que eu me cale e no silêncio me embale
No final das contas, ainda que eu me rale

Que da minha história exale um “gran finale”

É momento de ser pipoca

O milho está na panela. O fogo está aceso. A temperatura se eleva. Então, incrivelmente, como num passe de mágica, aquelas coisinhas insossas, tão rudes e sem graça começam a sofrer uma verdadeira metamorfose. Assim, aquilo que antes era rijo, resistente e implacável, começa a tomar uma forma macia, agradável, tenra, suave e fofinha. Isso, sem falar, é claro, no aroma extremamente agradável e sedutor que conquista e floreia o ambiente. É como se uma força estranha nos arremetesse, num solavanco, para o cômodo mais desejado da casa, a cozinha. E tudo isso por causa dessas coisinhas brancas e aveludadas.

Mas, como sabemos, nem tudo são flores. Nesse caso, o que fazer, então com os piruás? Aqueles tão indesejáveis, resistentes e amarelinhos milhos que insistem em sobreviver mesmo em meio a tão extremo calor. Não há nada a se fazer. Mesmo porque, pra quê nos importarmos com apenas alguns insignificantes percalços se temos, a nossa total disposição, uma panela inteirinha de deliciosas pipocas?

Podemos fazer uma alusão do simples ato de estourar pipocas à arte de viver, especialmente aos momentos de provação que atravessamos. Somos o milho na panela. As situações adversas a que somos expostos diariamente representam o fogo aceso, esse calor que nos queima. São aqueles instantes que nos doem na alma, que nos angustiam no peito e sufocam na garganta. É o tempo em que o sol desaparece e o céu escurece, tornando o nosso dia tão escuro quanto a noite. Ocasiões em que temos a nossa fé provada.

São aqueles eventos de impotência, em que nada podemos fazer, em que a virtude da paciência deve prevalecer. É hora de refletirmos, de colocarmos nossos joelhos no chão e buscarmos a provisão de Deus acima de tudo e todos. Ainda que o nosso clamor pareça não mudar o silêncio de Deus. Ainda que estejamos numa escuridão tão profunda que não haja diferença entre o nosso abrir e fechar dos olhos.

É justamente nessa situação oportuna que devemos escolher. É a hora de elegermos o que queremos frente ao mais variado tipo de fogo que está a nos consumir. Podemos optar nos transformarmos em pipocas... macias e aproveitáveis. Dessa forma, aprenderíamos com as circunstâncias e cresceríamos, tornando-nos pessoas melhores. Assim, alimentaríamos a nossa fé e estreitaríamos a nossa comunhão com nosso Deus. Ou, preferir nos transformarmos em piruás... pessoas amargas, duras, intolerantes e completamente inaproveitáveis, o que sobrou na panela. É muito simples e fácil. Depende apenas de uma escolha nossa. E essa escolha nos acompanhará por todos os dias do resto de nossas vidas.

Então, mesmo doendo... mesmo chorando... mesmo amargando... mesmo queimando às vezes, eu escolho ser pipoca. Porque quando o fogo se apagar, e o calor da panela diminuir, sei bem o que me espera, sei em que me tornarei. E compreendo que serei muito melhor do que um antipático piruá.

E minha vida será tão saborosa quanto uma panela cheia de pipocas cheirosas e quentinhas, vinda da cozinha celestial do meu Deus.

“Amados, não estranheis a ardente prova que vem sobre vós, para vos tentar, como se coisa estranha vos acontecesse...” (1Pedro 4:12)

Sob a neblina da dor


Certa manhã, ao tirar meu carro da garagem para ir ao trabalho, deparei-me com uma forte neblina que prometia dificultar meu percurso. O dia ainda não raiara e a escuridão parecia ainda mais condensada pela existência da névoa.

Não sei porque, mas não gosto de nevoeiros. Talvez eu até saiba, sim. Eles embaçam e confundem a nossa visão, escondem a beleza do céu e, além do mais, costumam protagonizar os melhores filmes de horror. Porém, tem algo sobre o nevoeiro, que é a situação que mais me incomoda. Diante de sua presença, somos obrigados a desacelerar, andarmos mais devagar. Por vezes, precisamos não apenas tirar o pé do acelerador, mas frearmos bruscamente a um palmo de distância do carro que está a nossa frente, para não colidirmos. Porém, somente alguém que está sempre com o tempo cronometrado sabe o quanto é ruim recuar, quando o que se precisaria é encurtar o tempo de viagem.

Esse era um desses dias. Eu certamente me atrasaria se precisasse diminuir. Tentaria pelos meus métodos chegar a tempo. O jeito seria utilizar o farol alto e o pisca-alerta para delicadamente pedir que os meus colegas de trânsito me dessem passagem. Ah! Claro, uma sirene piscante e barulhenta também seria muito bem-vinda se eu pudesse.

Eu estava indo muito bem, estava bastante satisfeita com minha “performance” de piloto. Mas toda pressa tem seu preço. E geralmente pagamos mais caro quando não agimos com paciência e sabedoria.

Estão dispostos, ao longo da rodovia que eu percorro, vários letreiros luminosos gigantes e visíveis em condições normais, com indicações diversas sobre trânsito, temperatura, acidentes, congestionamentos e dicas de segurança.

Talvez, se eu estivesse mais devagar e atenta, poderia ter observado o aviso de um grande congestionamento que me esperava pela via de acesso que eu entraria. Talvez, se eu fosse mais prudente, poderia ter tomado outro caminho senão o que me levaria a um desesperador engarrafamento ou, pelo menos, fazer uma conversão em tempo de fugir dele. E muitos de nós sabemos que os engarrafamentos de uma cidade como São Paulo significam horas sem sairmos do lugar.

Bem, ali estava eu. Completamente parada. Se a minha preocupação era não chegar atrasada, agora era exatamente isso o que aconteceria.

Enquanto aguardava a quilométrica fila de carros andar, fazia uma comparação desse meu aprendizado com outra lição que o Senhor nos dá diariamente.

Na ocasião, eu estava vivendo dias maus. Dias de choro, angústia, tristeza. E parei para pensar em quantos são os momentos em que nos deparamos com um intenso nevoeiro em nossa vida. O nevoeiro de ser abandonado por quem se ama (esse era o meu momento). O nevoeiro de termos que deixar quem amamos. O nevoeiro do divórcio que não se quer. O nevoeiro da doença incurável. O nevoeiro do filho que foi embora. O nevoeiro da morte. O nevoeiro das dívidas que não cessam. Nevoeiros de dor, derrota, ansiedade, autocomiseração, tristeza, mágoa e tantos outros que também embaçam os nossos olhos e nos impedem de enxergar, ainda que eles estejam abertos.

São momentos de profunda solidão em que nos encontramos desesperados, em que olhamos em redor, à frente e atrás, mas nada enxergamos. É exatamente nessa hora que devemos nos atentar, ligar nosso pisca-alerta espiritual. É preciso desacelerarmos da nossa correria de vida e até, se necessário, colocarmos o pé no freio para que não nos machuquemos. Frearmos bruscamente a nossa própria vontade e convertermos o nosso caminho para a vontade de Deus pode ser uma boa opção para que não nos arrebentemos.

Quantas vezes acabamos passando desapercebidos e ignorando os gigantescos letreiros luminosos que o Senhor coloca em nossos caminhos, com Seus avisos sobre o perigo que enfrentaremos adiante se não pararmos agora. Porém, cegados pela névoa e perdidos em nossa ansiedade, não nos atentamos que estamos prestes a entrar em um congestionamento espiritual, atrasando nossa chegada ao ponto final, a bênção que tanto almejamos.

O Senhor é capaz de nos mostrar exatamente qual o percurso mais adequado para chegarmos ao nosso destino. Nenhum caminho, por mais nebuloso que seja, é por Ele desconhecido. Nosso Deus, que sonda os nossos corações, sabe perfeitamente do que precisamos e só Ele tem, nas próprias mãos, delimitadas todas as nossas rotas, incluindo cada atalho, cada buraco na pista, cada congestionamento, cada acidente que nos espera adiante.

Ele espreita não apenas as distâncias a serem percorridas, as condições da estrada, e o clima, mas se preocupa, inclusive, em nos guiar pelo caminho mais bonito, mostrando-nos as mais belas paisagens, os mais verdes campos, os pastos mais verdejantes. O Senhor é o piloto perfeito para nos conduzir ao último vôo, e a todos os outros. Estou certa que, quando desembarcarmos no aeroporto celestial do nosso Deus, todas as turbulências terão valido a pena de serem enfrentadas.

E nem precisaremos enfrentar filas de check in nem check out.

Irritante intolerância



Há poucas coisas nessa vida que me irritam tanto quanto a intolerância.

Sim, afinal a intolerância é característica de quem não consegue lidar com o que é alheio. Seja o que for, não importando o ser. Sejam defeitos, qualidade ou nenhum dos dois.

O intolerante pode ter outros nomes: inflexível, intransigente, rígido, exigente, implacável. Necessariamente, sempre há um intolerante ao seu lado. Aquele sujeito que não perde qualquer oportunidade de criticar até o piscar de olhos do vizinho. Tudo o irrita. Tudo o tira do sério.

É intolerância de todos os lados. Intolerância religiosa, justificada em nome de Deus. Intolerância política, justificada por ideais. Intolerância nos campos de futebol, como se não fosse por diversão. Intolerância racial, como se não fôssemos todos da raça humana. Intolerância por sexualidade, por idade, por etnia, biótipo, por deficiência, por tão somente atitudes.

Geralmente, o indivíduo intolerante é aquele que franze a testa em sinal de rejeição enquanto o outro fala. É o articulador de caras e bocas ao menor sinal de existência de outro ser.

Podemos dizer, quase sem medo de errar, que o preconceito e a discriminação antecedem esse tipo de atitude. E incita o ódio, que pode variar de sua forma mais amena até as mais severas.

Por intolerância vivemos a história fétida de um livro chamado holocausto cujas páginas negras não se apagam nem se arrancadas. E o que dizer de tantas guerras e conflitos, dentre outros extremos comportamentos de violência causados pela falta de condescendência. São aqueles que simplesmente não aceitam nenhuma outra maneira de ver o mundo que esteja fora do alcance de sua própria vista.

O mais lamentável e pertinente citar é que a intolerância se alastrou de tal modo a impregnar-se em nosso cotidiano. E que fazemos parte desse, antes seleto, mas hoje intenso grupo, quando torcemos o nariz ao ouvir uma opinião contrária à nossa. Por não tolerar as limitações do outro, casais que comumente se amam têm avolumado o índice de divórcios. Depois, esses mesmos, intolerantes pela solidão, passam a buscar novo amor.

Pela intolerância da convivência, amigos se desentendem e se distanciam. Mas, passado isso, acrescem os cadastros em sites de relacionamento garimpando novas amizades que possam desfrutar.

Talvez essa modernidade toda tenha grande parte de culpa nessa história. Afinal, a facilidade que temos em conhecer pessoas é algo inédito em todo o mundo. Ora, qual seja tamanha ironia. Aproximamo-nos das máquinas eletrônicas com o intuito de conhecermos mais gente. Tal investimento nos despende tamanho tempo que torna impossível cultivarmos um relacionamento real, à moda antiga. Claro, não podemos ignorar o primeiro, mas valorizá-lo acima de tudo implica necessariamente o detrimento do segundo.

Pode ser que não se tenha registrado outros grandes tenebrosos acontecimentos causados pela intolerância, nos dias de hoje. Mas os pequenos e frequentes eventos ocasionados pela mesma atitude certamente têm levado ao isolamento nossas incontáveis pobres almas. Até o momento em que não desenvolvermos intolerância a esse tipo de tecnologia. Nesse instante, essas miseráveis máquinas desalmadas estarão fadadas ao nosso chacoalhar de ombros. Bem, ao menos elas não sentem.

Até mais ver, e vê se me lê!

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Pedaço de dia


Era um dia comum, tranquilo, dentro do considerado normal. Ela acordou às 5h30 como de costume. Ousou cinco minutos a mais de sono. Pulou da cama com um tal de "soneca" gritando-lhe aos ouvidos. Trajava um jeans desabotoado e uma camisa amassada. A prova do crime estava ali. Dormiu com a roupa que vestiu no dia anterior, sem o banho da noite, sem escovar os dentes, sem apagar a luz. Aliás, ela nem percebeu que dormiu. Foi assim, de um segundo para outro, deitou em sua cama apenas para alongar os ossos. Puf! Apagou como brasa acesa jogada em água. E ali estava, num novo dia que ainda nem clareava, sonâmbula, embriagada de sono, sentada na beirada da cama, tateando o chão com os pés em busca do perdido par de chinelos. Com descomunal esforço, levantou-se, apalpando as paredes e apertando os olhos na tentativa de enxergar algo em tão denso breu.


Tentou não fazer barulho, mas a crise de espirros de todas as manhãs já se manifestava desesperadamente. Ela até tentou a técnica de invisibilidade que aprendeu num curso de ilusionismo, mas não foi bem sucedida. Foi inevitável. A criança acordou. E chorou. Era momento de parar tudo para consolar aqueles lindos olhos de jaboticaba que se inflamavam enquanto as lágrimas corriam. Um abraço terno tentava aconchegá-la e enviá-la novamente ao mundo dos sonhos. Mas os olhos estalaram. Voltar ao sono era algo completamente indesejado por aquele anjinho, naquele momento. Pena! Como ela desejava inverter os papéis com aquela criança e dormir mais um pouco. Pois bem! A não-dormência do bebê exigia reforço. Ela chamou a mãe para socorrê-la, enquanto o relógio insistia em não oferecer trégua.


Resolvido às 6h30 o já segundo problema do dia (o primeiro problema foi acordar), a próxima etapa seria o banho. Os bocejos alternavam-se com os espirros. A chegada ao banheiro foi interrompida pelo pequeno-cão-comprido que arranhava suas pernas em busca de afago. Enfim, banho! Um momento de maravilhoso e solitário bem-estar. Talvez o único do dia, justificando a necessidade de aproveitá-lo ao máximo. O percurso de volta para o quarto obteve nova interrupção. Pelo mesmo cachorro. Dessa vez, o bicho arranhava a porta para sair, estava no horário do seu xixi matinal.


O ponteiro do relógio, que só aprendeu a tabuada do cinco, saltava de cinco em cinco minutos. Já era hora de sair e ela ainda não havia se arrumado. Novamente no quarto, a criança já dormia. Ela não queria correr o risco de acordá-la outra vez, por isso manteve a luz apagada. Trocar-se ao breu era tarefa fácil naquela circunstância. Vestiu a primeira calça que encontrou pendurada no cabideiro, por coincidência a mesma que usou no dia anterior e que havia acabado de tirar. Um "minha mãe mandou" foi suficiente para escolher uma blusa amarrotada no armário abarrotado, ao mesmo tempo que todas as outras caíam aos seus pés. E ali ficaram. Agora era a vez das meias. Quase gritou "bingo" quando conseguiu sortear um par delas, embora fosse um pé diferente de outro. Mas tudo bem, uma vez que calçaria seu par de botas e ninguém observaria o detalhe.


Tudo pronto! Uma passadela de escova nos cabelos mal enxutos, um par de brinco nas mãos que seria colocado durante a viagem, um casaco jogado nos ombros, celulares na bolsa, chave do carro na mão e ainda deu tempo de pegar uma maçã nas profundezas de uma geladeira cheia. Foi até o carro, jogou tudo dentro, abriu o portão, saiu com o carro, parou, desceu, fechou o portão. Esqueceu de deixar o dinheiro no armário para a mãe comprar frutas. Volta tudo e deixa o dinheiro. Aproveita para pegar os óculos de sol que haviam ficado em cima da mesa do computador, lembra das pastas do trabalho e do caderno da faculdade que se perderam no quarto e os pega também. Por falar em faculdade, alguém teria visto a carteirinha dela? Sumiu. Mas isso pode ficar pra depois. Na passagem pelo corredor junta os sapatos da bebê nos quais tropeçou e já se vale do momento para jogar uns brinquedos perdidos que estavam fora de suas caixas. Verifica se o cãozinho está em sua cama coberto pelo seu edredom e mais um pequeno afago grátis. Mais uma rápida visita à geladeira para pegar uma garrafa d'água.

Ufa! Prontinho! Agora ela já podia sair pra começar o seu dia. Voi là!